Introdução
Desde sua criação em 2015 o Partido Novo apresentou um crescimento de filiações constante até uma queda brusca no ano de 2021. Muitas teorias ou causas foram empírica e amplamente colocadas pelos mais diversos agentes do mundo político, sejam internos ou outsiders da legenda. Apenas algumas hipóteses, entre as mais diversas difundidas, apresentam-se o posicionamento omisso ou conformado de mandatários frente a supostos crimes ou ações do presidente que se opõem cabalmente aos princípios e ideologia do partido, ou ainda que dirigentes de forma centralizada e inflexível estariam tomando posicionamentos sem a escuta da base (filiados), bem como seus mandatários.
A vitória da criação da legenda por si só, cujo investimento de tempo e energia os fundadores conhecem bem, torna extremamente penoso o abandono da sigla por quem quer que seja. Isto porque para os de boa fé a legenda representa muito mais do que princípios e caminhos para um Brasil melhor e sim suas esperanças. Assim, questões como a dissonância cognitiva2 e o raciocínio motivado3 , tanto para “quem fica”, como para “quem vai”, mostramse verdadeiras armadilhas para uma real compreensão dos fatos e, consequentemente, o fortalecimento partidário como um todo. Segundo Leon Festinger (1957):
Sabemos que o Novo tem como princípio basilar o não uso de dinheiro público para sua manutenção e campanhas, sendo, portanto, essencial suas filiações e crescimento para expansão e conquista das posições nos mais diversos cargos eletivos.
Assim, justifica-se o estudo dos desafios de crescimento que o partido vem encontrando e da recente perda considerável de filiados em 2021. Isto não só através das motivações declaradas nas desfiliações, mas do posicionamento da legenda dentre as caracterizações clássicas partidárias, cunhadas por autores da ciência política ao longo da história. Faz-se necessária a análise de fatores como origem, organização partidária e relações de poder interno, de forma a buscar compreender os recentes acontecimentos que alguns chamaram de “dores do crescimento”
Breve Caracterização dos Principais Tipos de Partidos
Partido de Quadros
Segundo Duverger (1970), o partido de quadros ou de elites está relacionado com grupos parlamentares integrados por “notáveis”, pessoas renomadas e propícias a obterem votos. Tem sua origem nos grupos parlamentares dos primórdios da democracia representativa e associados às oligarquias políticas dominantes do século XIX.
Em resumo tratavam-se de uma união de categoria profissional e sua defesa, mas primordialmente pela defesa de interesses locais de uma vizinhança onde sua ideologia teria importância subsidiária e posterior. Sua criação dar-se-ia por motivos eleitorais tão somente.
Assim, sua manutenção possuía baixo custo financeiro em virtude de atividade partidária reduzida (base social pequena) e necessidade de conquistar os votos de uma parcela reduzida e da qual já faziam parte. Não obstante, esses “notáveis” tinham grande penetração entre as elites econômicas para prover seu financiamento e defender também seusinteresses.
Com o surgimento do sufrágio universal essa estrutura partidária vê-se defasada em virtude da necessidade de atingir grandes massas para a eleição, surgindo então os que Duverger chamaria de partidos de massa.
Partido de Massas
Ainda segundo Duverger (1970) surgem com o sufrágio universal no final do século XIX e estariam ligados a uma participação popular mais expressiva como membros do partido. São associados aos partidos operários sindicalistas emergentes, com origem externade onde se inserem como o Partido Comunista.
Também estavam ligados a partidos de agrupamentos agrários ou de cooperativas, intelectuais e associações estudantis ligadas a movimentos populares, surgindo os primeiros partidos de esquerda europeus. Embora muito associados à ideologia de esquerda, não se limitou a tal, dando origem a partidos religiosos cristãos ou ainda os de oposição frontal aos comunistas.
São caracterizados por forte militância dos membros, grande atividade e participação partidária e independência financeira em relação a grandes apoiadores, uma vez que sua fonte principal de financiamento são de seus membros. Segundo o autor os partidos de esquerda aí qualificados seriam extremamente totalitários, adentrando na vida social, lúdica e de convivência, das artes, ciência e cotidiano de seus membros para difundir o marxismo. Assim, a relação entre representantes e representados mostrava-se sempre muito estreita. Caracterizam-se ainda por uma grande homogeneidade entre seus membros, apresentando forte mobilização e passionalidade.
Mas outro tipo surge da ampliação da heterogeneidade social (necessidade de representação de uma pluralidade) e o aumento de clivagens sociais para além das de classes: os partidos catch-all.
Partido Catch-All
Cunhado por Kirchheimer (1966) os partidos catch-all (“pega-tudo”) surgem em um novo contexto histórico sócio-econômico e fundamental para seu aparecimento a partir da metade do Século XX. Questões como transformações sociais em virtude da ascensão da classe média e cortes de classe menos polarizados, transformações do Estado de Bem-Estar Social, desenvolvimento econômico, urbanização e novas clivagens (tradicional-moderno, urbano-rural, causas ambientais) vão promover mudanças organizacionais e na relação com eleitores.
Desta forma, esses partidos se caracterizariam por construir um consenso sobre bases eleitorais mais amplas, atenuando o discurso ideológico, agora mais difuso e genérico, sem enfatizar grupos sociais ou setores específicos da sociedade, visando obter votos da maior parte possível do eleitorado.
Em estudo mais recente Manin (1995) aponta que o desenvolvimento dos meios de comunicação veio exercer influência nos eleitores que antes eram dominados pelos periódicos e comunicação interna dos partidos e seus membros, sendo sustituídos pelo marketing político.
Ainda segundo Kirchheimer (1966) os partidos catch-all caracterizariam-se pelo fortalecimento de lideranças com maior autonomia e avaliadas por sua eficiência e não por sua relação com filiados. Incorreria, assim, a queda do papel dos militantes (não mais como centro de atenção de demandas) e o redirecionamento do discurso a maior quantidade possível de eleitores.
Desta forma, captariam-se não só mais votos como ainda mais fontes de recursos para financiamento eleitoral. Eleitores passam a ser consumidores e não mais participantes ativos.
Partido Cartel
Apresentados por Katz e Mair (1997) o partido cartel caracteriza-se pelo afastamento da sociedade civil, tornando-se meros agentes do Estado, que se utilizam das verbas públicas de financiamento e visam tão somente a perpetuação no poder, ao invés do melhoramento social visado pelos partidos cath-all. Entende-se haver um conluio entre grandes partidos para se manterem no poder e evitar a renovação, podendo haver uma alternância deste equalizada entre aqueles ou ainda o compartilhamento do mesmo. A ideia de cartel surge dos incentivos para que partidos, ao invés de competir, cooperem entre si. Entendem-se como agências “pseudo estatais” em que se tornam intermediários, buscando atender demandas diversas e levá-las para a burocracia estatal. Em virtude da ausência de renovação natural os partidos deixam de ser críticos para se tornarem apoiadores do sistema, criando circunstâncias favoráveis à legenda. Assim, existe uma tendência, como no sentido clássico da palavra cartel, ao fechamento do sistema para a concorrência de novos aspirantes ao poder. Suas bases tornam-se irrelevantes e a participação da sociedade é meramente ilustrativa de forma a legitimar as eleições.
Características do Partido Novo e Dasafios de Crescimento
Fundado por cidadãos que nunca haviam se envolvido com política o Partido Novo foi o meio encontrado por estes para combater o establishment de clientelismo e fisiologismo político para transformar o Brasil em um país com mais oportunidades e menos privilégios.
Em análise cética de nossa democracia e da constatação de que minorias organizadas conseguem obter maior pressão em beneficos próprios, como se apresenta na escola elitista em ciência política, o Novo buscou estabelecer-se com diferenciais de forma a combater isso dentro da própria agremiação. Nesta linha o partido direciona-se na contramão da política tradicional em que políticos buscam benefícios concentrados “para os seus” aos custos difusos de uma maioria desorganizada, como através do pork barrel system
São diversos os mecanismos utilizados pelo partido para evitar as mazelas encontradas na política atual e a “lei de ferro das oligarquias” 5 apontada por Michel (1915) como gestão independente6 , limitação ao "carreirismo político"7 , ficha limpa8 , compromisso de cumprimento do mandato parlamentar9 , vinculação do candidato às suas propostas10 , Inexistência de cobrança percentual do salário do mandatário11, dentre tantos outros.
Em análise das características do Partido Novo pode-se enquadrá-lo no tipo catch-all, assim como autores se referem aos outros brasileiros existentes. Muito embora quase todos os partidos possam apresentar caracterísiticas de vários tipos já desenhados, o Partido Novo é muito claro quanto aos seus objetivos e representação de todo cidadão brasileiro.
Ainda que em sua base ideológica esteja implícito valores muito bem definidos do partido e do liberalismo como o livre mercado e a defesa das liberdades e direitos individuais, entende-se aqui tais valores como meios de se atingir uma melhoria na qualidade de vida de todos e não somente parte da sociedade.
No entanto, a clara e ampla dependência de seu financiamento por filiados, uma vez ser contra e não usar o fundo partidário para sua manutenção e campanhas, demonstra um traço típico dos partidos de massa. Embora não sejam responsáveis pelo processo seletivo de candidatos, filiados exercem grande poder no tocante à aprovação em convenção dos mesmos. Também podem vetar participantes da seleção e processar qualquer filiado internamente (junto ao conselho de ética). Assim, a denúncia de atuações parlamentares ou de filiados incondizentes com os valores estampados pelo estatuto podem levar à advertência, suspensão e inclusive expulsão desses integrantes.
É nítida a analogia em que se trata o partido como prestador de serviços ao cidadão, mormente seus filiados, característica peculiar dos partidos catch-all em que o eleitor é um consumidor. Assim, insatisfações e tensões entre dirigentes e mandatários, principalmente no que tangem aos valores do partido, atingem em cheio a confiança e credibilidade do mesmo diante de seus filiados e eleitores. Isto porque a coesão tão valorizada pelo partido e filiados se esvai. Não há dúvidas sobre a necessidade de fidelização de sua base e disso depende a constante “pesquisa de satisfação”, demonstração da eficiência e de resultados, seja na gestão partidária, seja na atuação parlamentar ou executiva.
Informações prestadas no ato das desfiliações são de extrema importância, dificilmente para se tentar resgatar a credibilidade perdida entre estes, mas para evitar futuros erros e entender melhor a interpretação da base frente ao cenário. Num contexto em que a competição por eleitores é inundada de fake news a comunicação midiática não se faz suficiente. Atividades fora dos períodos eleitorais com metas de expansão e penetrando na vida social do filiado através de encontros, cursos e atividades diversas tornam-se fundamentais nesse contexto, característica típica dos partidos de massa.
Desta forma, podemos observar que são muito os desafios a transpor pelo partido, uma vez que segue uma linha avessa à demagogia e ao populismo. Trata-se de um caminho extremamente difícil onde muitas vezes não só eleitores, mas filiados refutam evidências ou fatos desagradáveis e sucumbem à palatabilidade do discurso político populista.
Considerações Finais
Através da análise das características do Partido Novo e sua correlação com as tipologias de partidos analisadas conforme autores da ciência política, pudemos identificar traços existentes de todos, excetuando-se as de partidos cartel. Natural que assim ocorresse tal exceção dado o tempo de apenas seis anos de existência
Identificou-se características típicas do cath-all como a presença de fortes lideranças com maior autonomia e avaliadas por sua eficiência. Em contrapartida do esperado no cathall temos uma filiação atenta e com presença de fortes tensões com lideranças (típicas do partido de massa), que se acredita haver em virtude não só do financiamento do partido pelo mesmo, como no perfil de exigência dos filiados.
Assim sendo, longe da pretensão de esgotamento do tema, mas como singela contribuição de busca do “autoconhecimento partidário”, apontou-se haver necessidade de estreitamento com sua base de filiados como nos partidos de massa. Muito embora a relação existente de “consumidor” encontradas nos partidos catch-all, a relação com os filiados mostra-se base fundamental para militância responsável pelo crescimento “boca-aboca” e de financiamento do partido. Sem dúvidas, o Partido Novo é diferente de tudo aquilo já proposto e existente no país, talvez do mundo.